A Constituição da República de Angola de 2010 reconhece o Tribunal de Contas como Tribunal Superior e como órgão supremo de fiscalização da legalidade das finanças públicas e de julgamento das contas que a lei sujeitar à sua jurisdição.
O posicionamento do Tribunal de Contas no ordenamento jurídico-constitucional Angolano reflecte a sua elevada importância na arquitectura do Estado e no respectivo quadro de checks and balances.
Não é possível garantir o funcionamento do Estado Constitucional sem recursos financeiros suficientes. Nesta medida, os tribunais de contas são, hoje, mais do que instituições de fiscalização da contabilidade pública, pilares que sustentam a Constituição na sua acção como tribunais da boa governança.
Aos cidadãos não basta a mera proclamação das tarefas fundamentais do Estado ou dos seus direitos fundamentais. Ela é, sem dúvida, importante, enquanto afirmação do Estado de Direito Democrático e dos valores essenciais que o informam, com destaque para o da dignidade da pessoa humana. Mas essa proclamação não dispensa um esforço contínuo de realização da Constituição, nas suas diversas vertentes, em prol da melhoria das condições de vida dos cidadãos. E essa realização só é viável com recursos financeiros suficientes, o que apela a uma gestão financeira rigorosa e criteriosa, que não dispensa um controlo financeiro externo forte, tecnicamente habilitado, autónomo e credível. Esse controlo é assegurado pelo Tribunal de Contas.
O relevo que os tribunais de contas assumem actualmente nos Estado constitucionais seria, só por si, razão suficiente para felicitarmos o Mestre Adalberto Luacuti pelo tema sobre o qual decidiu pesquisar e escrever – O Tribunal de Contas e a Boa Administração das Empresas Públicas à Luz da Jurisprudência Angolana.
Mas o mérito do seu trabalho vai bem além do acerto na escolha do tema. A abordagem que faz é profunda, informada e rigorosa, mergulhando num universo – o dos tribunais de contas – que não é fácil, atentas as suas peculiaridades e multiplicidade de facetas.
O livro que tenho a honra de prefaciar, proporcionará ao leitor um conhecimento aprofundado sobre o Tribunal de Contas de Angola enquanto órgão jurisdicional e instituição superior de controlo.
Neste trabalho, o autor percorre um caminho que vai além de considerações de estrita legalidade, destacando a importância de uma boa administração e da obediência a critérios técnicos de boa gestão, movendo-se no domínio da boa governança.
A esta abordagem não são estranhos os contributos doutrinários provenientes de diversas paragens, nem o trabalho relevante que tem sido desenvolvido pelas diversas organizações internacionais de tribunais de contas e instituições congéneres.
O enfoque escolhido é o da boa administração das empresas públicas e a sua sujeição aos poderes do Tribunal de Contas, o qual se nos afigura particularmente feliz. Com efeito, o universo empresarial público tem, em qualquer Estado, a potencialidade de gerar ganhos de eficiência, produtividade e qualidade que não podem ser desconsiderados. Mas ao mesmo tempo, esse universo tende a resvalar para a margem dos controlos públicos, apresentando-se como um ambiente propício para a prática de atos ilícitos e para más práticas de gestão.
Assim, a temática do controlo das empresas públicas pelo Tribunal de Contas de Angola reveste-se de enorme interesse, não só teórico, mas também prático.
A sujeição das empresas públicas aos poderes dos Tribunais de Contas não deve ser vista como um dado adquirido ou como uma decorrência natural da consagração constitucional de um Tribunal de Contas. Pelo contrário, em alguns países, como Portugal, prevaleceu durante demasiado tempo a ideia segundo a qual as empresas públicas eram formas jurídico-privadas de organização e, consequentemente, não deveriam estar sujeitas aos poderes de controlo e à jurisdição do Tribunal de Contas. Esse foi um erro com custos visíveis para as finanças públicas e, inevitavelmente, para os cidadãos. Em Portugal, só em 1996 as empresas públicas passaram a estar sujeitas aos poderes de controlo financeiro do Tribunal de Contas, e apenas em 2006 passaram a estar sujeitas à sua jurisdição, ou seja, em Portugal, só desde 2006 é que os gestores de empresas públicas passaram a poder ser julgados, pelo Tribunal de Contas, por infracções financeiras.
Isto significa que o sector empresarial público, pelas suas próprias características, deve ser obcjeto de um escrutínio rigoroso, independente e tecnicamente habilitado, que assegure que as empresas públicas cumpram o seu papel, contribuindo para o desenvolvimento do Estado Angolano.
Está, pois, de parabéns o Mestre Adalberto Luacuti, pelo seu trabalho, o qual representa não só um importante contributo académico e técnico, mas também um acto de cidadania, ao chamar a nossa atenção para algo que não podemos descurar: a importância de colocar os recursos financeiros públicos ao serviço do Estado Constitucional e dos direitos fundamentais dos cidadãos.
Lisboa, 16 de Fevereiro de 2018.
Paulo Nogueira da Costa
(Professor de Direito Fiscal no Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa e Professor de Finanças Públicas na Universidade Autónoma de Lisboa)